Oi,
Domingo de manhã, um calor do caralho. Estou sentada no sofá, de calcinha e regata, o ventilador na velocidade dois e o suor escorrendo pelas minhas costas e debaixo dos meus peitos. Um dos gatos gosta de ficar na frente do vento, aí fica comigo no sofá. O outro fica largado debaixo da cama, ou em cima da cama, a depender do humor dele.
Ontem eu andava pela Paulista por volta de 21h30 e tava 32 graus. Impossível ser feliz dessa forma. Eu tinha acabado de sair de uma peça, estava no ar condicionado, e foi um baque. Ar condicionado no metrô, forno na troca de linha, ar condicionado de novo, forno na rua. Não é a toa que tô com uma tossinha chata.
A peça que eu vi ontem foi muito estranha, tinha que interagir com as pessoas. Andávamos de um lado para o outro, pedia-se para repetir algumas palavras. Teve comida, que as pessoas podiam ir se servir. Tinha carne na comida, eu estava ruim do estômago, tava calor demais, eram sensações diversas, fiquei sentada olhando. A moça na minha frente estava usando Melissa, aí era o cheiro do sapato, da comida e do incenso, sálvia, talvez.
Quando cheguei para esperar N. e M. notei que tava cheio de metaleiro na frente do Sesc. Me deu uma leve crise de ansiedade, porque né, eu vivi nesse rolê por muitos anos e sempre foi uma merda. Lembrei de quando eu ia em muitos shows e toda vez ficava ansiosa de sair de casa, ainda mais se eu tivesse que ir sozinha. Vi um show do Sinister sozinha, e nunca me senti tão desconfortável na vida.
Vi o Mark Lanegan em 2010, ele e um cara com violão, num rolê na Augusta. Fui sozinha, durante a semana e foi lindo. Fiquei lá sozinha, cantando as músicas, com a minha camisa xadrez e meus 40 kg a menos do que hoje. Voltei no último ônibus, no dia seguinte estava de pé às seis para ir trabalhar.
O show que mais me senti confortável na vida foi o do Pussy Riot. Estava rodeada de amigas, de mulheres e só uns cinco gays. Me senti ótima para dançar, cantar, dar risada, beber. O Zeal & Ardor foi bom demais também, mas ainda tinha uma gente para trazer desconforto. Diferente do Sidney Magal em 2022. Na rua, perto de casa, um monte de idoso, crianças, um show que sorri do começo ao fim.
Ando ouvindo muito Cradle of Filth e acompanhando os shows que a Tarja fez no Brasil com o Marko e me deu um pouco de vontade de ir, mas é isso, com que dinheiro? Vou sair nesse calor? Vou rever gente do meu passado? Ficar em pé por horas?
Minha crise dos quase 40 está batendo dessa forma, achando que ficar em casa é mais seguro. Quando saio e fico ansiosa por algo, acho que estou sendo insuportável com as pessoas, depois fico repensando cada palavra que disse pra ver se não falei nenhuma merda. É bizarro estar escrevendo aqui, com o notebook em cima de um travesseiro no meu colo, e notar que dos meus braços está brotando suor.
Terminei de ler aquele livro sobre a música Strange Fruit. Vi filmes sobre o Chet Baker e o Miles Davis. Ouço muito a Nina Simone. É foda pensar em como as vidas dessas pessoas foram bizarras, e nessas coisas maravilhosas que elas produziram. Queria encontrar algum artista que tenha feito algo maravilhoso e não tenha precisado se foder tanto para criar aquela arte.
Minha HQ preferida é a Parafusos, na qual a artista fala como é viver sendo bipolar, testando remédios e achando que só a fase da mania a transformaria numa grande artista. Ela fala da Woolf e da Plath, se elas tivessem sido medicadas, acompanhadas por terapia, o que mais elas teriam deixado para o mundo?
Finalmente acho que estou na dose certa de remédio. É alta, é cara, mas eu estou estável. Lembro de uma tarde de sábado no metrô, indo para a terapia, estava chovendo. Eu sentia uma angústia absurda, só queria chorar, gritar, qualquer coisa que tirasse aquilo de mim. Depois encontrei um então amigo, comprei o livro Objetos Cortantes na Cultura, comi algo, voltei para a casa lendo. Finalmente um pouco de alívio.
Agora os momentos de caos completo são mais raros, mas ficou o vazio. A falta de vontade de sair, a falta de forças para socializar, a minha cabeça que fica parecendo uma tv fora do ar quando estou rodeada de muita gente. Antes eu era amiga de pessoas apenas para não ser sozinha, hoje prefiro a solidão com minhas poucas pessoas que valem a pena.
Agora é ligar a TV, ficar na frente do ventilador e esperar o domingo passar.
Espero que vocês estejam bem.
Beijo
Michelle
Opa, quero dizer que gosto muito das suas cartas, leio todas. São um slice of life que me faz bem ler. Gosto também que você fala abertamente sobre ser bipolar, medicações etc.
Eu não sabia que a Tarja e o Marko estavam no Brasil! Ai como eu queria ter me jogado num show desses com o dinheiro que eu não posso gastar kkkkk